O mês de junho trouxe uma
surpresa muito especial para Markus Zusak: ele foi agraciado com o prêmio
Margaret A. Edwards, em reconhecimento por uma “significante e duradoura
contribuição para a literatura juvenil”. A premiação anual é patrocinada pela
School Library Journal (SLJ) e coordenada pela Young Adult Library Services
Association (YALSA). A jornalista Angela Carstensen aproveitou a ocasião para
entrevistar o autor, antes de ele desaparecer em uma de suas escapadas para um
lugar tranquilo para fazer o que mais lhe agrada: escrever!
Confira a entrevista
abaixo:
Angela
Carstensen – Como você se sentiu quando soube que tinha ganhado o prêmio
Margaret A. Edwards?
Markus Zusak – Receber o
prêmio foi bizarro. É bem característico de um australiano como eu sofrer um
baque desses, dizer “que bom” e simplesmente seguir em frente. Foi uma imensa
honra, mas eu cresci sendo ensinado a não me vangloriar. Comecei a escrever ainda
jovem e tive a oportunidade de crescer como escritor. Meu jeito de encarar tudo
isso é tentando sempre melhorar. É o que um escritor faz para se manter
relevante.
AC
– Qual a sua conexão com S. E. Hinton? Por que é tão significativo que ela
tenha sido a primeira escritora a ganhar o Edwards?
MZ – Eu já conhecia o
prêmio e sabia que Hinton havia sido a primeira a recebê-lo. (Não que
acreditasse que um dia seria premiado!) Sempre acompanhei a carreira de Hinton.
Considero muito importante ela ter ganhado o prêmio, já que foi uma pioneira da
literatura infantojuvenil e causou um impacto enorme no público leitor. Ela fez
com que eu quisesse ser escritor. Eu era adolescente quando li Taming the Star Runner [1988, não publicado no Brasil], e um
dos personagens desse livro era escritor. Lendo, eu conseguia me enxergar ali,
nos livros dela. Era real! Minhas primeiras tentativas de escrever, aos 16 e 17
anos, foram horríveis. As oito páginas da minha primeira novela poderiam ganhar
o prêmio de pior livro de todos os tempos.
Quando olho para minhas
primeiras histórias, fico aliviado que não tenham sido publicadas. Eram muito
parecidas com as de Hinton. Nós, autores, começamos a escrever imitando nossos
heróis, e mantemos o espírito dessa admiração na obra. Com o passar do tempo,
chegam outras influências e encontramos nossa própria voz. Mas a voz dos
escritores que amamos continua lá. Cameron, por exemplo, foi inspirado no
Ponyboy de Hinton.
AC
– A luta é um tema comum em seus livros. De onde vem isso?
MZ – Vou ser bem sincero:
não faço a menor ideia. Outra coisa recorrente em meus livros é a corrida.
Nunca me meti em uma briga de verdade e não gosto de correr. Acho que isso vem
de duas áreas: se você é um escritor, pode escrever sobre algo que gostaria de
fazer na vida real. É uma das coisas que mais me encantam.
Há um fluxo de ideias no
inconsciente quando se escreve. A corrida e a luta também estão presentes no
meu novo livro. Meu irmão e eu somos parecidos em diversos aspectos – na voz,
na aparência –, mas claramente diferentes em outros. Um deles é que, em matéria
de esportes, meu irmão consegue fazer qualquer coisa. Então ele nunca teve que
se esforçar, enquanto eu sempre precisei correr atrás para conseguir algum
resultado. Normalmente isso funcionava para mim, e eu tinha o maior apreço
pelas minhas conquistas. No começo, eu não escrevia bem.
Muitas pessoas abominam o
boxe, e concordo com elas, mas admiro homens e mulheres que conseguem subir em
um ringue, onde não há como se esconder. Assisti ao vivo a pouquíssimas lutas
de boxe, e acho que são diferentes de tudo. Não fui lá para ver sangue, mas
para ver a coragem de alguém capaz de se levantar e continuar lutando. E pelo
respeito que costuma estar presente ao fim do combate. É diferente de qualquer
outro esporte. É possível sentir a intensidade – não é uma sensação bonita, mas
há algo totalmente real ali.
Todos são livres para
discordar de mim. Certa vez, uma professora me escreveu decepcionada com a
violência em Eu sou o mensageiro.
Ela dizia que os leitores eram jovens e que eu dizia a eles que resolvessem
seus problemas através da violência. Respondi a ela pedindo desculpas por
tê-la desapontado e expliquei as razões das escolhas que fiz. Acredito que o
papel de um escritor seja procurar a realidade e sacudi-la. Há violência em
todos nós, e beleza e força e fraqueza. Qual é meu dever? Escrever apenas sobre
a beleza e a força, ou escrever sobre tudo o que existe? Essa é a minha maior
responsabilidade, escrever sobre como vejo as coisas e como são de fato.
Então a luta funciona em
diferentes níveis: há o aspecto físico, mas também o esforço e a batalha para
se levar uma vida digna. Meus personagens brigam consigo mesmos e com o que há
ao redor. Eu também luto enquanto escrevo, para produzir a melhor história que
puder.
AC
– Na sua opinião, por que os jovens estão dispostos a encarar um romance tão
complexo e longo quanto A
menina que roubava livros?
MZ – Nós subestimamos
demais os adolescentes. Notamos apenas as coisas mais banais e corriqueiras,
como o que vestem, por exemplo. Mas então escutamos histórias sobre um bebê que
caiu no trilho de um trem, e normalmente é um adolescente quem o salvou e foi
embora porque não queria receber nenhum crédito. Reconheço isso porque escrevo
livros para adolescentes – eles basicamente sentem com mais intensidade que os
adultos. Eles desejam coisas com mais vontade do que se imagina. Eles querem
coisas com uma profundidade maior do que se imagina. Adolescentes têm muita
força de espírito, algo que os adultos esqueceram que possuem dentro de si.
Quando eu era adolescente,
adorava personagens, e são eles que fazem um grande livro. Você pode ter uma
trama sensacional, mas se não tiver bons personagens… Eu sabia que precisava
amar os personagens de A menina que roubava livros.
E amei.
Há um tipo de magia no ar
que faz algo dar certo, que atrai a atenção das pessoas. Eu me considero um
cara de sorte por existirem adolescentes por aí que leram meu livro.
AC
– No que você está trabalhando agora? Pode nos contar qual foi sua inspiração
para o próximo livro?
MZ – Nunca me preocupei em
manter segredos. Escrever é meu trabalho. O do meu irmão é pintar casas. De
certa maneira, o trabalho dele é diferente. Ele acorda de manhã e sabe que
consegue pintar uma casa. Enquanto eu muitas vezes penso que preciso ter muita
crença em mim mesmo para terminar um livro. O trabalho é o mesmo. Não me vejo
como um artista delicado que precisa se manter reservado. Sinto-me como um
prestador de serviços como meu irmão. Eu apenas vou lá e faço o meu trabalho.
Meu novo livro, Bridge of Clay, é sobre ambição e
sobre aqueles momentos em que transcendemos nossas limitações humanas. É sobre
um menino construindo uma ponte – ele está moldando sua vida nessa ponte. Ele
quer que ela seja perfeita. O nome dele é Clay. O barro [clay em inglês] pode ter qualquer forma,
mas precisa do calor do fogo para se solidificar. O rio inunda, mas quando
retorna ao seu leito, o sol se levanta e o fogo se estabelece. O barro e Clay
se consolidam nesse momento. Esse é o fim que sempre tive em mente. Então
percebi: não é assim. Está um pouco além disso. E aí mora a arte. Só é
necessário observar por tempo suficiente. O romance também é sobre família, e
sobre o que aconteceu com Clay no passado. Provavelmente é também baseado no
modo como quero transcender algo quando estou escrevendo.
No que se refere à pressão
para terminar o livro novo: escrever é bem difícil. Veja bem, sou o cara mais
sortudo do mundo. Sou pago para criar coisas. Lembro-me o tempo todo do quanto
amo o que faço – amo os desafios, amo que não seja uma tarefa fácil. É um
prazer ter esses momentos em que escrevo algo de que realmente gosto e não
sabia que isso ia acontecer ao sair da cama pela manhã. Se você se esforçar,
mas sem exagero, vai acontecer, porque você ama o que está fazendo. Você espera
que, ao fazer cada pedacinho da maneira certa, vai conseguir fazer aquilo tudo
acontecer.
Fonte: http://www.intrinseca.com.br/